Em 2016, durante uma pesquisa na cidade de Cachoeiro do Sul (RS), o biólogo gaúcho Marcelo Sulzbacher, especializado no cultivo de fungos, fez uma descoberta que, hoje, se provou um passo adiante importante rumo ao que pode vir a ser uma revolução gastronômica brasileira. Embaixo de um pomar de noz-pecã, o pesquisador encontrou o que se conhece hoje como a Sapucay, primeira trufa cultivada em solo brasileiro.
A descoberta colocou Sulzbacher à frente da corrida pelo cultivo dos fungos, hoje iguarias indispensáveis na gastronomia mundial, e fez com que se tornasse figura indispensável na discussão acerca da produção e colheita do ingrediente geralmente encontrado em países como Estados Unidos, Austrália, Espanha, Chile e, principalmente, Itália.
O título que carrega, como pioneiro da descoberta, fez com que estreitasse laços com outra figura essencial no mundo da tartuferia brasileira, a empresária Mônica Claro, idealizadora e gestora à frente da Tartuferia San Paolo, que, inclusive, recebe Sulzbacher nesta quinta-feira (19) para um workshop e um jantar harmonizado sobre o mundo das trufas.
Claro vem há pelo menos uma década tateando o solo do mercado brasileiro para a inserção completa do ingrediente no universo gastronômico.
“Nós fomos pioneiros no trato com as trufas, em trazer esse universo para a gastronomia brasileira, viabilizando a logística e o contato do consumidor com o produto sem que o valor fosse proibitivo”, diz a empresária, que não quer que seus clientes repitam a experiência que ela mesma teve em sua primeira experiência com as trufas.
“Durante um jantar com amigos nós comemos, adoramos, e, no fim da noite, levamos um susto quando a conta chegou. Era uma coisa exorbitante, isso me marcou”. Formada em engenharia química com especializações em administração e marketing, Claro construiu carreira no mercado corporativo ao longo de 18 anos, quando conheceu o marido, Carlos Claro, e deu à luz seu primeiro filho.
A maternidade, inclusive, foi a responsável por sua saída do mundo dos negócios. “Conciliar esses dois mundos há 24 anos era muito mais difícil, em uma época sem homeoffice e com a necessidade de estar constantemente presente. Eu queria curtir meu filho, queria estar com ele, então foi o momento que começou a virar uma chave na minha cabeça.”
A partir daí, o caminho contou com o nascimento de um novo filho, uma mudança para Atlanta, no sul dos Estados Unidos, e o retorno ao Brasil com o plano de empreender em uma marca própria, ainda não delineada, mas já com um foco: a gastronomia.
Com o desejo em se especializar em engenharia de alimentos, Claro buscou diferentes formas de unir seu desejo pelo empreendimento com sua paixão pela comida, até que, em uma viagem à Itália, tropeçou na ideia de investigar mais sobre o mundo das trufas, tratadas no país, então, como uma iguaria muito mais comum do que era no Brasil.
“Nós víamos que tinha, sim, uma valorização das trufas, mas as pessoas viam com muito mais naturalidade. Na Itália sempre acontecem os festivais em que as trufas são vendidas como se fosse uma grande feira livre. As maiores, mais valiosas são leiloadas, mas as menores são mais acessíveis. Daí pensei: tem uma coisa aí para a qual ninguém está olhando.”
E, de fato, fora do ambiente acadêmico, poucos representantes da gastronomia olhavam com atenção para o fungo, que na última década passou a compor uma sucessão de pratos servidos em diferentes restaurantes, com diferentes faixas de preços, sempre trabalhando com o aroma ou uma alusão ao sabor das trufas.
“Nós é que decidimos incorporar de vez as trufas em todos os nossos pratos”, diz, orgulhosa. “De início, a ideia não era abrir um restaurante. Nós começamos com um empório, que vendia diferentes produtos brasileiros feitos com a adição de trufas. Começamos com o requeijão mineiro de corte, passando pelo brigadeiro, chegamos ao mel silvestre. São percepções que não estavam no mercado.”
Por que Investir em Trufas?
É impossível negar que, embora mais populares, as trufas seguem pouco acessíveis. Os valores hoje, porém, chegam a R$70 por pequenas lâminas servidas no prato. Há uma década, esse valor poderia triplicar. Com tino de mercado, Claro anteveu um movimento gastronômico, sem saber exatamente como ele aconteceria.
“Foi uma coisa de paixão. As pessoas hoje são muito saudáveis, têm uma boa alimentação, mas eu tenho essa filosofia desde os 12 anos. Eu sabia que abriria algo que coincidisse com essa visão, e as trufas são saudáveis, naturais, não são feitas em laboratório. Elas são apaixonantes”, diz a empresária que refuta a ideia de trabalhar com o fungo geneticamente modificado, mesmo enfrentando um dos maiores desafios do trabalho com o fungo.
“Ela é perecível, estraga com rapidez, 10 a 15 dias. Então é preciso saber muito bem como conservá-la, porque a trufa de verão, por exemplo, custa R$19 mil o quilo. A trufa branca chega a R$99mil. Se não houver uma conservação adequada, você perde um quilo de trufas muito, mas muito facilmente. Esse é o nosso maior desafio”.
Entre o empório, montado em 2013, e o início do restaurante, se passou pouco tempo. Foi o período que a empresária usou para mergulhar nos estudos acerca do cultivo e da produção de trufas, então ainda engatinhando.
Para se manter em diálogo com o ingrediente, e também, de certa forma, jogar seguro no mercado gastronômico, Claro optou por abrir um restaurante italiano, apostando em uma das culinárias mais populares de São Paulo, o que, em sua visão, soa natural, uma vez que as trufas são melhor harmonizadas com os pratos de seu país de origem.
Embora enfrente o desafio constante de viabilizar a logística de transporte – uma vez que as trufas encontradas hoje no Brasil ainda não são o suficiente para dar conta da demanda -, o uso do ingrediente nos pratos é muito menos enigmático do que a mítica envolta em seu cultivo faz parecer.
“As trufas são muito delicadas, então elas só são adicionadas ao prato no momento de sair da cozinha direto para a mesa do cliente, caso o contrário, ela pode perder parte do aroma e até do sabor se em contato muito constante com o calor”, explica a chef Daiane Chad, à frente do cardápio servido nas três unidades da Tartuferia San Paolo na cidade (Jardins, Pinheiros e Morumbi).
Para Chad, o trabalho diário com o ingrediente ajuda também no processo de retrabalhar a trufa no imaginário do público, que geralmente vê o ingrediente como algo inalcançável, ou ainda, de difícil harmonização com outros pratos.
“As trufas que nós vemos por aí, em ingredientes como azeites e batata frita, nem sempre são de boa qualidade, o que faz com que as pessoas tenham uma péssima experiência e nunca mais queiram provar nada que tenha a trufa de novo”, diz.
“Você não vai encontrar um azeite trufado de R$50 em que a experiência vá ser satisfatória. Infelizmente, ainda é um investimento um pouco mais alto, mas que vale à pena”, completa Claro, que, mesmo depois do sucesso do restaurante, segue fabricando produtos para venda.
Hoje os chefs já não precisam voltar de viagem com a trufa escondida na bagagem
Projeto de Expansão
Na avaliação da empresária, o Brasil entrou definitivamente para a rota das trufas ao adotar o fungo como ingrediente de sua culinária, ainda que esteja focada essencialmente na chamada alta gastronomia.
“Já temos mais expertise. Hoje os chefs já não precisam voltar de viagem com a trufa escondida na bagagem, há muitos importadores que são capazes de trazer trufas de boa qualidade”, diz Claro, com um diagnóstico: “nesses últimos dez anos, trouxemos a trufa e oferecemos não como um meio de ganhar dinheiro, mas para valorizar o cliente e dizer que ele pode, sim, ter contato com uma iguaria como essa.”
Embora o restaurante viva um bom momento ao celebrar sua primeira década de atividade, Claro é muito cuidadosa quando pensa em um processo de expansão. Para a empresária, há mais percalços do que sedução. Um dos pontos primordiais para que a tartuferia se mantenha apenas em São Paulo é justamente o olho da dona, que conduz os três restaurantes, em suas palavras, “de maneira artesanal”.
“Todos os nossos funcionários de são e cozinham provam os produtos com trufas. Eles degustam as trufas frescas para que possam explicar para os clientes como é o processo de ter essa primeira experiência”, diz.
“A equipe precisa estar treinada e sou eu quem está com eles pelo menos a cada quinze dias, para tirar dúvidas, degustar novos produtos, ensinar. Fazer isso fora de São Paulo é muito difícil. É preciso ter um engajamento e comprometimento que por hora eu só vejo na gastronomia paulistana”.
Diferente do que viram ao longo dos anos enquanto estudavam, quando pesquisadores e produtores de trufas mantinham todo o conhecimento guardado para si próprios, tanto Mônica quanto o marido e sócio, Carlos, seguem desvendando para o público o segredo e os mistérios das trufas.
Tanto que não se opuseram a abrir a sociedade com um grupo maior, o Saints, responsável por cuidar de outros empreendimentos gastronômicos na cidade, como o Boteco São Bento, o São Conrado Bar e o Tuy Cucina. O movimento é parte do desejo da empresária de manter o restaurante em pleno funcionamento por pelo menos mais cinco décadas.
Para que esse desejo se concretize, Mônica, que já construiu e deixou uma carreira como alta executiva, já morou nos Estados Unidos, montou sua própria marca e investiu no que quis, tem apenas uma esperança. A de que seus filhos se envolvam nos negócios da família.
“Eu nunca fui de me meter na vida deles. Mas eu não posso esconder que nada me faria mais feliz do que tê-los aqui junto conosco”.
SERVIÇO
Tartuferia San Paolo – Seg. a qui., das 12h às 15h e das 18h30 às 23h; sex., das 12h às 15h e das 18h30 à 0h; sáb., das 12h à 0h; dom., das 12h às 21h – Endereço: r. Ferreira de Araújo, 302, Pinheiros, região oeste. Tel.: (11) 97486-2644| Endereço: r. Oscar Freire, 155, Cerqueira César, região central. Tel.: (11) 93202-2662 | Endereço: Av. Roque Petroni Júnior, 1089, Morumbi Shopping, piso Lazer, Jd. das Acácias, região sul. Horário de funcionamento diferente: seg. a sex., das 12h às 15h e das 18h30 às 22h; sáb., das 12h às 22h; dom., das 12h às 21h. Tel.: (11) 97108-7051. @tartuferiaoficial.