Do vinho que consagrou o Chile ao pisco que lhe deu identidade, o país agora expande sua fronteira líquida para além das videiras. Na Patagônia Chilena, a Região de Aysén, localizada a quase dois mil quilômetros ao sul de Santiago, começa a emergir como um novo polo de produção de vinhos e destilados — território de natureza extrema, águas cristalinas e clima frio durante boa parte do ano.
Durante a ProWine 2025, que aconteceu em São Paulo entre 29 de setembro a 03 de outubro, o Chile apresentou, sob o selo Sabores da Patagônia, uma seleção de bebidas que traduzem a força desse território: vodka, gin, bitter e licor de cereja produzidos artesanalmente, além dos vinhos Allá Lejos, elaborados no ponto mais austral do mundo.
A expansão chilena para além do vinho
“Primeiro, é muito importante reforçar a presença que já tem o Chile no Brasil com vinhos”, reitera o embaixador Sebastián Depolo Cabrera. “Mas queremos diversificar e trazer mais produtos”, complementa. De acordo com ele, além de trazer novas vinhas, particularmente menores e menos conhecidas no Brasil, o objetivo também é explorar novos territórios — especialmente a Patagônia chilena.
O movimento representa uma nova etapa na diplomacia gastronômica e comercial entre os dois países. “O vinho que estamos apresentando é o mais austral do mundo”, destaca Depolo. “É um esforço muito importante da nossa indústria: fazer crescer a fronteira agroecológica e, ao mesmo tempo, trazer os sabores, os aromas, a mineralidade e a experiência da Patagônia.”
Os números confirmam essa expansão líquida do Chile. Entre janeiro e agosto de 2025, as exportações de álcool e bebidas destiladas do país somaram US$20 milhões, alta de 29,3% em relação ao mesmo período de 2024.
Já os vinhos chilenos, símbolo maior da identidade nacional, atingiram US$ 34 milhões em exportações diretas para o Brasil, um crescimento de 2,3% no comparativo anual.

Os novos rostos da Patagônia destilada
Segundo o embaixador, os rótulos são muito mais do que bebidas, são expressões culturais. “É a mistura que há no sul do Chile, da cultura dos imigrantes, que trazem sua forma de produzir destilados, bitters e outras produções”, comenta Sebastian. “Hoje em dia, estão produzindo destilados com uma tremenda denominação de origem, com uma grande narrativa e uma grande história.”
Considerada a mais austral do mundo, a vodka Kaweskar representa o ápice da pureza patagônica. Produzida com água das geleiras da Patagônia Chilena e batatas locais, é destilada de forma artesanal, resultando em uma bebida suave e equilibrada, considerada a mais austral do mundo. Seu perfil limpo e delicado reflete com fidelidade o espírito desse território intocado.
Além dela, a destilaria também apresentou um destilado de cereja, fresco e perfumado, com notas de amêndoas e um final delicadamente frutado.

Da mesma região, surge o bitter artesanal Onok, elaborado com frutos e ervas nativas da Patagônia. O licor amargo combina botânicos silvestres e notas terrosas que traduzem o vigor natural do sul chileno. Com personalidade intensa e refinada, vem conquistando atenção crescente no cenário internacional de coquetelaria.
Já o Tepaluma® Maqui Gin, produzido no coração da Carretera Austral, é uma homenagem líquida ao fruto Maqui, nativo da região. De cor rubi e aroma complexo, o gin é destilado em alambique de cobre e macerado com Maqui fresco em seu auge. Traz notas de frutas negras, toques herbais e um final cítrico que acaricia o paladar — uma verdadeira obra-prima sensorial da Patagônia.
Autenticidade em tempos de crise
A estreia dos destilados patagônicos no Brasil coincidiu com a repercussão de casos de bebidas adulteradas com metanol no país.
O embaixador não fugiu ao tema. “É muito complexo, porque põe um manto de dúvida sobre um produto que reflete o esforço e o trabalho de muitas pessoas”, afirmou. “Mas estamos seguros de que toda a produção chilena, tanto de vinhos quanto de destilados, cumpre todas as normativas, tanto chilenas, que são bem exigentes, quanto brasileiras.”, afirma.
O Chile mantém um dos sistemas de vigilância mais rigorosos da América Latina, através do Serviço Agrícola e Pecuário (SAG) — órgão equivalente à Anvisa — reconhecido internacionalmente pela rastreabilidade e pelo controle sanitário de bebidas e alimentos.

Integração e certificação binacional
Além do cuidado na produção, o Chile e o Brasil caminham juntos para simplificar os processos de exportação e certificação.
“Vamos inaugurar nos próximos meses a certificação eletrônica de vinhos, bebidas e álcool”, adianta Depolo. “Se eu cumprir a normativa brasileira, posso exportar para o Chile. E se um chileno cumpre a normativa chilena, pode exportar para o Brasil. Foram homologados os sistemas de certificação.”
Essa integração abre caminho para que os destilados chilenos circulem com mais facilidade entre os dois países, fortalecendo o intercâmbio gastronômico e comercial, além de ampliar o acesso dos brasileiros às bebidas de origem chilena.
O selo da autenticidade: Aysén como nova fronteira
Para o ProChile, órgão de promoção comercial do país, a Patagônia simboliza um novo capítulo na história do vinho e dos destilados chilenos.
“Nossos destilados e vinhos vêm da Região de Aysén — um território de condições naturais únicas, águas puras e clima frio na maior parte do ano”, afirma Hugo Corales, diretor da instituição. “São produções de pequena escala, elaboradas com matérias-primas de alta qualidade e forte identidade territorial. Essa combinação nos permite oferecer ao mercado brasileiro bebidas premium, com rastreabilidade e autenticidade.”, explica o diretor do ProChile.
Entre os representantes desse novo movimento está a vinícola Allá Lejos, que vem se destacando pela produção de vinhos sob condições climáticas extremas que desafiam cada colheita.
De edição limitada, o branco Chardonnay se mostrou elegante e salino, enquanto o tinto Pinot Noir revelou uma fineza surpreendente diante dos desafios climáticos da região. Ambos parecem capturar o paradoxo da Patagônia: uma natureza indomável que se deixa traduzir em notas sutis.

Rastreabilidade como novo luxo
A presença chilena na ProWine 2025 reforça não apenas a diversidade, mas também a confiança mútua entre os dois países.
“Temos um serviço agrícola de alto nível, reconhecido internacionalmente”, enfatizou o embaixador. “Exportamos para muitos países e cumprimos normativas exigentes, tanto as nossas quanto as brasileiras. Agora, com a certificação eletrônica entre os dois países, simplificamos os processos e fortalecemos o comércio seguro de vinhos e destilados.”
Entre aromas e sabores do terroir mais austral do mundo, o Chile mostra que pureza, rastreabilidade e identidade são seus novos sinônimos de luxo.